Passagens religiosas, cenas cotidianas e críticas sociais são retratadas com delicadeza artística por artesãos peruanos em pequenos oratórios portáteis, os famosos retábulos ou retablos andinos. É nesta arte popular do Peru que a história, as tradições e as particularidades da cultura são exibidas para todo o mundo transformadas em decorações cheias de arte, beleza e valor.
A caixa oratório ou oratório transportável enquanto arte decorativa conecta as crenças religiosas espanholas à história de resistência dos povos andinos. É uma forma de registro e preservação dos valores e da cultura indígena dos Andes, cujas tradições resistiram e ganharam novas formas de expressão apesar da colonização europeia.
O retablo peruano é uma arte que preserva e valoriza a memória e a cultura andina.
Em toda sua história, dentro ou fora na cultura andina, o retábulo foi sinônimo de força e de fé. O altar portátil acompanhou cavaleiros durante as Cruzadas para adoração e proteção, e da mesma forma se fizeram presentes em outras batalhas cujo principal conflito era religioso como na Reconquista entre espanhóis e mouros.
Não é de se surpreender que a Conquista do Império Inca pelos espanhóis e as diferenças religiosas entre os índios (considerados pagãos) e os cristãos também tenha relação com a presença do oratório nos Andes. Sacerdotes da Espanha introduziram o cristianismo através das imagens do retábulo conhecido como Santero ou Capela de Imaginero no século XVI a fim de evangelizar os povos indígenas.
As peculiaridades do cotidiano e da cultura peruana são materializadas nas artes incas.
Retábulo vem da palavra espanhola retablo, uma contração do latim retro-tabulum que significa literalmente “atrás da mesa”, simbolizando a posição em que os altares eram colocados nas igrejas da Espanha e América Latina. Os primeiros exemplares utilizados nas missões cristãs apresentavam temas religiosos como a criação do mundo com Adão e Eva, a Fiesta del Nascimiento (Natal) ou a representação de Santiago (Saint James) - padroeiro dos guerreiros espanhóis.
O costume de cultuar imagens no pequeno oratório foi mantido pelos indígenas incas e passou por diferentes transformações ao longo do tempo, se adaptando às crenças locais. A figura de São Marcos, o padroeiro dos animais, no Cajón de San Marcos, por exemplo, posteriormente foi dividido em dois andares, inspirando os atuais retábulos de Ayacucho.
O retábulo é um oratório portátil temático que exibe crenças e festividades como a Festa Ayacucho.
A arte retablista renasceu na década de 40 aportando técnicas aprimoradas e materiais diversificados para expressar, além das imagens religiosas, os costumes, as lendas andinas e testemunhar os conflitos cotidianos para transformar o retábulo em uma arte decorativa enriquecida com a cultura popular do Peru.
O desenvolvimento desta arte inca é totalmente artesanal dividido em duas etapas: a confecção e preparação da caixa de madeira em forma de casa com duas portinholas e entalhes em relevo estilizados conforme a linha do artesão e a personalização das figuras que ilustram as temáticas definidas, que são esculpidas (ou moldadas) e pintadas à mão.
Uma caixa de madeira com portinholas e entalhes em relevo estrutura o retábulo peruano.
A história peruana foi materializada em temas campesinos como a colheita do milho, procissões culturais como a Semana Santa na Festa de Ayacucho que mistura o folclore andino e as tradições cristãs espanholas; ou em temas políticos como o Sendero Luminoso (movimento guerrilheiro do Peru), Pishtacu ("cortador de gargantas" com porte europeu da tradição oral inca) e a Festa de Yawar representando a luta de classes com o touro (alta sociedade espanhola) e o condor (povo inca).
O cotidiano, por sua vez, ora é retratado através de temas "pagãos" em retábulos profanos como o xamanismo com o curandeiro (xamã) se valendo de recursos naturais ou destacando o poder terapêutico das folhas de coca; ora por temas culturais como as tradicionais lojas de artesanatos, artigos têxteis, sombreiros e instrumentos musicais.
Retablo andino temático "Venda de Sombreros" feito artesanalmente no Peru.
A herança cultural andina manifestada na “arte devocional” ou simplesmente “arte pela arte” também foi veículo de expressão artística de artesãos prestigiados que seguiram a tradição familiar retablista. Nomes como Joaquín López Antay, que aprendeu o ofício com a avó, e Nicário Jiménez Quispe, que herdou do pai e avô, se destacaram no cenário nacional elevando o artesanato peruano ao status de arte, tornando-se Patrimônio Cultural da Nação.
Os pequenos santuários com adornos florais multicoloridos que caracterizam os retábulos refletem a riqueza da história andina e da tradição familiar no trabalho do artesão, que se faz presente na essência de grande parte das artes do Peru, transferindo para o ambiente conceitos genuínos de beleza e valor que destacam a decoração étnica com personalidade.
A arte retablista de Ayacucho exibe a riqueza da história e cultura peruana.
Compreender as temáticas que dão o tom especial às narrativas dos retábulos é uma forma de adentrar a cultura peruana e reconhecer a importância da produção artística dos artesãos retablistas no Peru, que tanto no imaginário coletivo quanto na decoração de interiores encontram meios de difundir as tradições incas e trazer mais significado para o cotidiano.
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Namastê!
Milene Sousa - Arte & Sintonia
1 comentário
Boa tarde,
Vocês tem disponível o Retablo peruano – Oratório de madeira da cultura andina?